quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Vamos observar outro fenômeno recorrente no Português Brasileiro, o qual representa nossa verdadeira forma de falar, escrever e usar nosso idioma.







Antes de qualquer coisa, é preciso que todos saibam que existe o CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), o qual não é um órgão governamental, e sim uma ONG (Organização Não Governamental), formada por publicitários e profissionais de áreas diversas, que tem como objetivo, dentre outros, censurar previamente propagandas que ofendam ou agridam os consumidores ou segmentos da sociedade. Tal prerrogativa baseia-se, sobretudo, na linguagem empregada nas campanhas publicitárias brasileiras.

Pois bem, feitas as devidas apresentações, vamos nos concentrar naquele velho e conhecido modo verbal: o imperativo. Ele é usado quando se quer dar uma ordem, um conselho, um pedido ou uma sugestão. Gramaticalmente falando, a formação do imperativo na 2ª pessoa do singular é feita a partir da segunda pessoa do presente do indicativo, suprimindo-se o “s” da desinência verbal (Tu cantas → Canta tu). Entretanto, em alguns casos, quando o falante refere-se ao seu interlocutor como “você”, usa-se o presente do indicativo (Que ele/você cante → Cante você).

No Brasil, o uso dos pronomes pessoais possui particularidades, pois, na maioria das vezes e na maioria dos lugares, as pessoas se tratam por “você”, e não por “tu”. Quando esse último é utilizado, usa-se o verbo na terceira pessoa, e não na segunda (Tu canta). Ou seja, isso implica uma mudança direta no uso e na formação do imperativo pelos brasileiros.

Daí, você deve está se perguntando: o que tem a ver isso com o CONAR e com as propagandas acima? Simples: algumas delas foram proibidas de circularem no país, enquanto uma foi permitida. Isso aconteceu após análise daqueles que controlam as propagandas no nosso país. Apesar de se verificar que em todas elas há uso do imperativo, não é consenso afirmar o que pode ser considerado ofensivo ou não numa propaganda.

Vejam: as duas primeiras (Compre Baton/Beba Coca-Cola) foram proibidas, por serem consideradas ofensivas e expressarem uma ordem direta, quase como uma obrigação. Nos dois casos, temos o uso do imperativo levando-se em consideração o tratamento do interlocutor por “você”. Caso esses textos fossem reescritos, tendo como base o uso do pronome “tu” como tratamento ao interlocutor, teríamos, respectivamente, “Compra Baton” e “Bebe Coca-Cola”. Percebam que, mesmo intuitivamente, parece que há certo relaxamento na linguagem, ou uma forma mais branda de se solicitar algo, como se fosse um conselho ou uma sugestão?

No entanto, a propaganda “Faz um 21” não foi proibida no Brasil. Observa-se que no contexto apresentado, o interlocutor foi tratado por “tu”, mesmo que de forma “errada”, pois o correto, gramaticalmente falando, seria “Faze um 21”, forma quase desconhecida pelos falantes brasileiros. Se esse mesmo texto fosse reescrito utilizando-se como forma de tratamento o pronome “você”, teríamos “Faça um 21”, ou seja, muito mais ofensiva que a original. Obviamente, isso foi muito bem pensado e arquitetado pelos publicitários que criaram essa campanha, de modo a criar essa “sensação de relaxamento”. Além disso, por se tratar de um verbo irregular e anômalo, há essa particularidade no uso do imperativo.

Há, ainda, outros casos de orações que compõem propagandas de cerveja: nos casos de “Beba com Moderação” e “Aprecie com Moderação”, em ambos, o uso foi do pronome “você” como base para o imperativo. E por que não foram proibidas? Na minha opinião, porque não são exatamente os textos que falam sobre os produtos, e sim sobre o consumo do produto de maneira geral, algo como uma recomendação. Contudo, quem se lembra da propaganda “Experimenta!”? Nem preciso dizer por que foi proibida, não é mesmo? Pensem como seria diferente seu sentido, caso fosse reescrita como “Experimente!”.

Enfim, chegamos à conclusão de que o uso do imperativo no Brasil não segue uma regra específica, ou melhor, não há consenso sobre como devemos usá-los, tampouco o que é, de fato, ofensivo ou não na linguagem apresentada numa propaganda. Há uma complexidade muito maior do que aquilo considerado “certo” ou “errado” pelos gramáticos (e pelos manuais de gramática). É preciso, sobretudo, compreender o uso do pronome pessoal de 2ª pessoa, o qual, na sua maioria, é feito com o pronome “você”, mas que ainda conserva, em algumas regiões do país, a forma arcaica “tu”.

Leia (lês) e analise (analisa) tudo isso sem parcimônia!


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAGNO, M. Não é errado falar assim! Em defesa do português brasileiro. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.

SCHERRE, M. M. P. Doa-se lindos filhotes de poodle: variação linguística, mídia e preconceito. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.




Um comentário:

  1. oi Vinicius amei esse texto seu!

    acho que o uso do imperativo no portugues brasileiro sugere um ar de arrogancia do falante! é uma forma dele obrigar a ter determinado comportamento...

    quanto ao "Experimenta!" acho que proibição foi válida por que essa repetição Experimenta! fica repetitiva na cabeça de qualquer um... e além disso, uma criança pode reproduzir isso, sem ter a menor ideia do que se trata...
    Oh saudade das aulas de Análise do Discurso!

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